Cozinha comunitária premiada está a funcionar como armazém

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Cozinha comunitária premiada está a funcionar como armazém

Prémio de arquitetura pública deu visibilidade a um espaço que serve um bairro de barracas: umas vezes como cozinha, outras para guardar roupa ou acolher reuniões

Lotes de terrenos com couves plantadas, ovelhas à solta, barracas com tetos em chapa de zinco e telhas presas por garrafões de cinco litros para o vento não as levar. É assim o bairro de barracas Terras da Costa, com origem nos anos 70, às portas da cidade da Costa da Caparica. Uma favela urbana de populações africanas e ciganas que estava esquecida até surgir, no seu coração, a cozinha comunitária concebida pelo arquiteto Tiago Saraiva, do ateliermob. O espaço foi criado em parceria com o coletivo Warehouse e contou com o financiamento da Fundação Calouste Gulbenkian e da Casa Vapor .

Toda construída em madeira, a cozinha comunitária foi premiada esta semana pela plataforma norte-americana ArchDaily na categoria Arquitetura Pública.

Tendo por guias o patriarca cigano Raúl Tavares, de 74 anos, presidente da associação de moradores, a antropóloga Ana Catarina, e Miranda, o faz-tudo da associação, o DN pôde constatar que quem manda na cozinha premiada e nas utilidades é mesmo a comunidade. “Neste momento está a servir de armazém para guardar 40 a 50 sacos de roupas que foram doadas para quem precisa”, explica Raúl Marques, justificando assim a impossibilidade de abrir as portas para a mostrar.

Com o pátio em frente aberto, mesas e bancos de madeira, janelas viradas para as couves, o espaço da cozinha comunitária, aberta em 2014, tem sido o centro social do bairro . “Temos feito aqui festas de aniversário e outros eventos, grelhados no Verão”, conta Miranda, português de 38 anos filho de cabo-verdianos da ilha de São Vicente. “Quando há uma festa para todos, toda a gente come”, diz o antigo feirante Raúl Marques, que morava na parte de baixo do bairro e raramente vinha à parte de cima. “Aqui não se distingue pretos, ciganos ou brancos, todos se dão.”

Dezenas de moradores estão agora em processo de realojamento num bairro social do Monte da Caparica.

À falta de melhor armazém, a cozinha tem servido no Inverno para guardar os trapos que quem precisa pode levar.

O motor social da cozinha

Por causa da cozinha, a água canalizada chegou ao bairro. A visibilidade que o projeto trouxe impulsionou também a Câmara de Almada a avançar com o realojamento, por fases, dos 300 moradores de Terras da Costa. Até ao final do mês dezenas de famílias estão a ir para 37 casas no Monte da Caparica. Num futuro que a autarquia desejava próximo – mas que o patriarca Raúl Marques acredita estar ainda distante – será construído um bairro social para todos, a poucas centenas de metros do Terras da Costa, junto às Torres das Argolas, na cidade da Costa da Caparica.

A cozinha comunitária não é um projeto estanque e já serviu a principal função, que era a de ser um motor social. “O projeto só estará terminado quando for desmantelado”, disse o arquiteto Tiago Saraiva ao DN, quando soube do prémio de arquitetura, na segunda-feira. “E o nosso desejo é que aquelas madeiras sejam reutilizadas em projetos com o mesmo cariz “, acrescentou. A antropóloga Ana Catarina vivia na Holanda quando o projeto começou e conheceu-o ainda na fase de construção, através do arquiteto Tiago Saraiva.

“Quando o projeto da cozinha acabou equacionou-se continuar o trabalho com outras áreas e é aí que entrei. Estou a ajudar a centrar o realojamento das pessoas no direito ao lugar, trabalhando para isso com a associação de moradores.”

Conta Ana Catarina que foi uma mulher africana do bairro, moradora ali há décadas, que sugeriu a o Tiago Saraiva que se fizesse uma cozinha para todos ali.

Na parte de baixo do bairro, onde muitos moradores já estão de bagagens aviadas para o Monte da Caparica, o patriarca Rául Marques convida-nos a entrar na casa abarracada para onde foi viver quando se casou com a mulher Lídia, o número 1 da Rua do Juncal. “Comprei uma cocheira aqui por 50 contos (250 euros) há 32 anos”. Nesse terreno fez a habitação onde a família foi crescendo até chegar aos seis filhos , 26 netos e oito bisnetos.

O bairro Terras das Costas está cheio de histórias assim. Alguns dos moradores já nasceram ali. Outros escolheram ali o seu lugar.

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