Na Caparica cantou-se o samba mas o Brasil ficou…
A noite eleitoral brasileira vista de longe: Bolsonaro ou Haddad? A TSF esteve neste domingo à noite na Costa da Caparica, casa de muitos brasileiros em Portugal, onde venceu o caraoque.
É seguir o som do samba e o cheiro a bifana. O bar do Juninho é o único aberto às nove da noite, ou pelo menos aberto e vivo. O resto da Costa já está de pantufas, fechada em casa, que a noite está fria e o despertador volta a funcionar de manhã.
O bar do brasileiro que apostou a vida da família neste espaço, e que se chama mesmo Juninho, está bem composto, mas quase ninguém sentado. As mesas servem para pouco mais que pousar as minis. Há três ecrãs – um na SIC Notícias, um na Globo News e, do lado oposto, um outro ao serviço do caraoque. É como se fosse o único na sala e como se o Corinthians estivesse a jogar uma final da Copa.
De microfone na mão, canta-se como se não houvesse amanhã. Como se não houvesse amanhã, quem sabe, um país do avesso. Os homens são quase todos operários do turismo local, as mulheres operárias da beleza alheia. Cantam Paulo Gonzo ao ritmo do samba, muito alto.
Já perto das dez da noite, as outras televisões abafadas pela cantoria bem tentam chamar a atenção dos artistas. Enchem-se com a cara de Bolsonaro e de Haddad e o rodapé grita que as projeções apontam para 56% versus 44%. Como outras sondagens, mas esta prestes a ser confirmada ou desmentida em poucos minutos.
Ansiedade – alguma -, só na mesa mais próxima da emissão da Globo News, onde estão sentados a Maria e o Bruno. Ela já cá está há quinze anos, ele chegou há três meses.
“Nunca mais volto ao Brasil para viver”
Bruno ainda não consegue largar o gorro de lã, nem mesmo neste espaço fechado. Nunca teve tanto frio. Arranjou trabalho quatro dias depois de chegar a Portugal. No Brasil trabalhava num “shopping”, aqui estreou-se como cozinheiro. Também entrou pela primeira vez numa cozinha industrial. “Pedi trabalho e o dono do restaurante disse que precisava de cozinheiro, claro que disse que sim”, ri-se. Veio para conseguir viver com o que ganha a trabalhar. O grande choque que sentiu mal chegou a Portugal foi numa ida ao mercado. “Há coisas que se compram com cêntimos! Há arroz que custa cêntimos! No Brasil, não. Qualquer produto custa pelo menos quatro ou cinco reais, mais de um euro.”
Maria está a fazer de cicerone a Bruno. Já cá lhe nasceu um filho e apresenta como vantagem maior de viver em Portugal ir levar o garoto à escola e deixá-lo com a certeza de que lá estará quando o for buscar. A pé e sem medo. Ganha pouco mais que o salário mínimo, divide a casa com amigos e consegue mandar para o Brasil 100 ou 200 euros por mês. “Em dois anos, consegui comprar lá um terreno e construir uma casinha”, conta orgulhosa. A casinha fica à beira da praia, nos subúrbios de Salvador da Baía. É uma casa de férias, “só para férias, nunca mais volto ao Brasil para viver”.
Quando a Globo News confirma que Jair Bolsonaro é o novo Presidente dos brasileiros, Maria benze-se e faz um ar apreensivo. Bruno desanima: “Tenho 32 anos e nunca conheci o Brasil numa fase boa, se calhar nem quando for velho.”
O resto da sala continua a rir e a cantar desalmadamente. Um ou outro ainda se virou para ler o rodapé da Globo News, a maioria nem isso.
A Maria e o Bruno estão desempregados desde esta noite. O último domingo do mês de outubro manda encerrar a maioria dos restaurantes da Costa até ao regresso do bom tempo, que trará de volta os clientes. A maioria dos brasileiros que aqui vive recomeça amanhã noutro trabalho provisório ou na procura de um novo. Foi a última noite dos bons tempos.
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